terça-feira, dezembro 31, 2002

Vazio

Toco na areia os pés descalços mal lembrando a sensação da areia e totalmente esquecido da magia do mar alimentado pela espectativa e fé de tantos milhões que vem entregar-lhe seus sonhos e descarregar o passado indesejado.
Enquanto os braços gelados do mar cobrem meus pés e apagam minhas pegadas a areia cede sobe meus passos. Sigo pesado, deixando para trás pegadas, passos e muito mais! Anos passados, certezas caducas, reflexos distorcidos. Logo estou leve e vazio, nas águas do mar tudo que fui e todas as possibilidades do vir a ser... Pintura Viva
Noite, as luzes amareladas dos postes invocam a luminosidade do entardecer aos primeiros minutos do novo ano. As árvores assistem silenciosas a procissão que segue sob suas copas em pequenos grupos buscando suas camas ou a próxima festa. Árvores enquadradas em pequenos cortes nas calçadas cimentadas, ávores envazadas...
À beirada de uma delas, na pequena mureta de cimento, senta-se, a muleta cruzada sobre as pernas esticadas, magras, a pele quase colada no osso, a cabeça inclinada para baixo olhando para o próprio cotovelo com os olhos fechados. Nas mãos uma caixinha de fósforos agitada com suavidade no ritmo de algum samba esquecido, ao redor apenas as sombras, mas brumas que tornam o mundo invisível para ele que mergulha em sua própria eternidade.
A triste figura do engenhoso fidalgo para uns, a alegria pura do cartola para outros...

segunda-feira, dezembro 30, 2002

Fragmentos IV

Ah! Endiabradas parafernálias modernas! Para onde vou me segue o fiel palm, meu Watson sempre pronto a registrar devaneios, relembrar pistas!
Humaitá, casa de boa guarida, de gente hospitaleira! De um lado a cadela fiel, em frente violão e voz no sofá fundo e macio, à esquerda os cachos escuros de tantos cafunés, finalmente à direita o azul dos olhos de musa e logo ao lado a mão do poeta que se aventura nos mistérios da tal parafernália tecnológica que lhe confio tranqüilo. Ele pensa que fui eu, mas a verdade é que o fragmento abaxo é dele, eu só completei!
ah! eu nao sei mexer nesta joça! mas estou me divertindo! este é meu poema!! sacanagem... abraço!!!...
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Sacanagem...
Abraço...
Um poema!
A vida leve
Soriso fácil
Felicidade!
Sacanagem...
Abraço...

sábado, dezembro 28, 2002

Estradas

Ao abrir a porta e sair na rua nos acostumamos a ver apenas o caminho familar entre casa, amigos, lazer e trabalho, mas aquele pequeno corredor é apenas um entroncamento menor das vastas estradas que levam a todas as partes do mundo. Foi atravessando uma porta como a nossa que se iniciou a jornada de Bilbo Bolseiro que mais tarde nos levaria aos portões de Mordor.
A diferença entre os que trilham os caminhos conhecidos e os que enxergam no cotidiano a possibilidade infinita da jornada eu deixo para você decidir!
Entre a fantasia e a realidade a diferença é bem mais sutil! Metáfora para a segunda ou talvez seja a segunda que não passe de um reflexo das imagens que alimentamos em nossos espíritos sonhadores, então a resposta para Kafka talvez seja que somos mariposas sonhando que são homens!
Uma festa há muito esperada
E já que os hobbits estão em voga...
Não havia uma grande árvore, mas lá estavam a alegria, a música, a amizade e o encontro com velhos amigos que pensamos nos dias pessimistas que só encontraremos nos 111 anos de Bilbo Bolseiro! E lá estava a surpresa dos presentes, o carinho sincero e todas as deliciosas histórias de tempos passados e a espectativa das histórias que virão!

segunda-feira, dezembro 23, 2002

Fotogramas

Já se estendem atrás de nós mais de um século desde que as impressões de luz eram prosaicamente chamadas de fotogramas, hoje são meramente fotos.
A cada esquina entretanto a luz se solidifica em fotogramas que marcam a memória e passam a vagar pela nossa mente inconsciente. O senhor de baixa estatura, para lá dos 70 anos, mas dono de poderoso bigode negro e vastos cabelos também da cor do véu da noite, a face repleta de rugas que testemunham os anos e histórias que se armazenam naquela figura distoante. As roupas em memória dos tempos que já passaram, o sapato de couro fino, a calça preta social de tecido leve e a camisa de mangas compridas emoldurada por suspensórios vermelhos de presilhas douradas.
Uma imagem fugaz, como os oito segundos durante os quais persistiu diante dos meus olhos. E quanto à infinidade de fios de vida que encontram naquela figura a sua interseção? E os tantos outros fios que partem daqueles olhos profundos, seus descendentes, amigos...
Neste blog sempre olhei para o coletivo, fiz as fotos dos grupos que cruzam nossas vastas e muitas vezes áridas avenidas, e o calor do indivíduo? Aquele que chega em casa com sua solidão, retira o sapato dos pés surrados depois de um dia de trabalho em sua banca de jornal (caso da nossa figura) e sente por um breve momento a falta dos que já foram ou que já não se importam com eles, pais, esposas, filhos... para logo depois ligar a televisão ou juntar-se aos amigos para um jogo de damas que afaste as saudades e ajude a suportar o tempo enquanto o tempo não se esgota...

domingo, dezembro 22, 2002

Medéia e a santa ignorância

Sobre um palco circular com meros 4 metros de diâmetro, as luzes dos holofotes afastam o presente criando, pela mágica do devaneio, uma janela para mais de dois milênios e a tragédia de Medéia e Jasão, a tragédia das paixões humanas irracionais, a tragédia da consciência.
O experimento de sons, movimentos e imagens bem sucedidos perturbam o espírito e o urro desesperado de Jasão ecoa através de várias civilizações até nos atingir com força! "A maior maldição é existir e ter consciência de ser!"
Enquanto o pequeno esquilo atravessa as estações, preocupado apenas com o prazar do sabor da noz ou com o medo do gavião que sobrevoa sua árvore, nos entregamos à tempestade da consciência, às paixões e temores que produzem o ódio, assim como o amor incondiconal.
Diante da tragédia de Medéia, que se repete nos noticiários, temos que nos perguntar se a consciência vale o seu preço.

sábado, dezembro 21, 2002

Entropia

Sentido, significado, as mãos habilidosas de fiandeiras que governem os fios do destino! Ah! São poucos os que não buscam por algo assim!
Diante dos movimentos misteriosos da vida e seus caprichos que nos parecem injustos, temos que achar um poder maior e uma consciência governante, mesmo que ela escreva por linhas tortas!
"Os Melhores dias das Nossas Vidas" vão passando ali no palco da Laura Alvin. O talento impar de gente cheia de vida e esperança abrindo um véu para os anos 50 com seus costumes tão diferentes e problemas tão semelhantes aos nossos. Do outro lado do mundo, pelas ondas eletromagnéticas de um celular vem a notícia que um jovem daqueles tempos, pai de uma jovem deste tempo, expira em um hospital, seu corpo em coma espera a morte.
Diante de mim os olhos cheios de vida de Mariana, dentro de mim o pesar por quem nos deixa. A ordem insiste em invadir o caos da entropia prometida pelos físicos, seja pelos artifícios da nossa mente que encontra sentido onde só existe desordem, seja por haver mesmo um Destino olhando para todos nós...

sexta-feira, dezembro 20, 2002

Romã

Certo por linhas tortas, dizem que é assim que Deus escreve, bem, nossa mente não é Deus, ao menos assim espero pois seria um mundo bem confuso! No entanto há poucas linhas mais tortas que as dos nossos devaneios!
Você deveria estar lendo a descrição de um palco repleto de marcações com fita crepe, crianças de todas as idades entre a platéia que espera para ver seus filhinhos em sua apresentação de dança de final de ano. Cômicas descrições dos pais que cercam o ator da Globo que provavelmente só queria ver uma amiga dançar mas acabou tendo que carregar o fogo de Prometeu mais uma vez. Foi para isso que sentei aqui...
Ao escrever o título deste blog no entanto me surpreendi com esta frutinha feia, a romã, que tem uma flor danada de bonita e sabor agradável. A flor de lotus também me ocorre, branca e linda no pântano escuro.
Aquele espetáculo certamente era um pântano regido por suspeitos professores de balé.
A vida tem destas surpresas, nos brinda com metáforas inesperadas... Para os menos atentos uma romã não passa de uma frutinha feia, mas há os que sabem como cultivar flores de lotus de onde pouco se espera: uma criança nova demais, a jovem dividida pela infinidade de estímulos da mídia, o deficiente.

quinta-feira, dezembro 19, 2002

Sinergia

Duas horas de caminhada separam o início da minha jornada de seu destino, um pequeno caminho de Santiago! A busca solitária do espírito perdido na correria da vida moderna.
A velocidade dos carros nas vias expressas da cidade borram os detalhes do cenário, mas hoje os carros ficam para trás e ligeiros são os meus pés que vencem facilmente a lerdeza do engarrafamento na Lagoa. Ainda assim o mundo à volta se apresenta difuso e borrado atrás das névoas dos meus devaneios: Memórias, sentimentos e reflexões.
O Sol amarelo que se esconde atrás dos montes, os pedalinhos que parecem à deriva ao redor da árvore já acesa mas ofuscada pela luminosidade ainda intensa. Imagens que de forma curiosa reverberam em sintonia com os movimentos do espírito.

quarta-feira, dezembro 18, 2002

Costumes tropicais

Rio de Janeiro, centro da cidade, uma hora da tarde, horário solar: meio-dia. Os raios do sol intenso de verão já imprimem sua marca nos termômetros da cidada que marcam 34 graus celsius. Saio da estaçào Carica do Metrô acompanhando a multidão que se choca junto comigo com o bafo quente dos trópicos intensificado pelas torres de concreto e mal aliviado pelas parcas árvores (que para a maioria dos estrangeiros são uma floresta).
Protegido pela lente amarela de um óculos de sol vejo o mundo com outras cores. O suor na pele brilha mais, as camisas molhadas de suor apresentam contrastes mais intensos. Os ambulantes buscam a sombra amarelada das marquises, na portaria de um prédio um boneco de neve amarelo observa este mundo de chamas amarelas, bem ao lado de um homem exageradamente agasalhado em roupas vermelhas, gorro e barba.
Pressões culturais, econômicas e de marketing criam as mais absurdas ironias. Só me pergunto quantos bonecos de neve e papais noéis carregamos dentro de nós para nos inserirmos em nosso contexto socio-cultural... É muito fácil se perder da sua essência.

terça-feira, dezembro 17, 2002

Pontos da Moda

Longos corredores se estendem à partir das altas e largas portas por onde entram duas ou três dezenas de pessoas ao mesmo tempo com facilidade. Alguns caminham parecendo saber exatamente para onde vão, outros conversam atrapalhando o caminho dos demais, um casal quase idoso aqui ou ali parece realmente estar passeando, mas a maioria permanece sentada em cadeiras ao lado de uma infindável sucessão de portas com nomes criptográficos.
Nunca imaginei que o forum da cidade fosse um local tão popular!
É um labirinto de corredores largos e compridos como ruas, parece realmente que a porta de entrada é na verdade um portal para uma terra alternativa, uma dimensão estranha. Jogado de uma porta a outra foi impossível não me sentir dentro dos quadrinhos do gaulês Asterix em seus 12 trabalhos! Temi encontrar com o Minotauro, mas tudo transcorreu com tranqüilidade, apesar de não ter aberto meus processos contra a Net, o Visa, o banco Balbao Viscaia e o UOL.

segunda-feira, dezembro 16, 2002

O que a Terra nos dá

Algumas obras que lemos deixam marcas profundas. Há quem diga que Don Quixote é assim, O Senhor dos Anéis certamente também é assim e nos deixa costumes como o de vagar a pé pelo mundo em jornadas externas que acompanham as reflexões internas.
E lá ia eu sob a garoa fresca que lavava o Humaitá e as ruas escuras com árvores altas e entre elas o trânsito alheio corre ligeiro. As janelas cerradas e os rostos circunspectos parecem ansiar pela proteção do lar...
Em Botafogo a garoa é a mesma, mas já são outas as ruas, árvores mais baixas exibem as flores tardias da primavera que logo se deitarão ao chão capitulando ante a força do verão. Nas vias negras o trânsito continua a correr alheio.
Uma parada na última casa hospitaleira, Valfenda, a morada dos elfos onde cada janela revela uma beleza natural mais estasiante que a anterior.
Na varanda sul observo a baia de Guanabara. O sol poente no oeste espalha sua luminosidade avermelhada até o leste, a chuva persistente em cada um dos seus milhões de pingos captura a cor cobrindo o mundo com uma névoa rubra enquanto dragões parecem incendiar as nuvens na janela oeste...

domingo, dezembro 15, 2002

Viagens ao centro da Terra

Mergulhar nos nossos labirintos é necessário, conhecer nossos reflexos internos e compreendê-los é a jornada de quem prefere uma vida amadurecendo a uma de experiências superficiais, sem profundidade. Mas estas viagens às profundezas da Terra não podem ser tudo em nossa vida ou nos afogamos nos mares de Julio Verne!
Crianças carentes no clube do Flamengo, vários atores e músicos, famosos e anônimos, levando a elas um pouco dos sonhos modernos, mas sonhos com suor e mangas arregaçadas. É o projeto Sonhar Acordado. No palco também havia crianças carentes, que sonharam acordado e criaram uma forma de expressão no batuque forte em latas, bujões e calotas. A gente precisa ser tanto para fora quanto para dentro, aliar sonho a ação...

sábado, dezembro 14, 2002

Espelhos e Labirintos

Gastamos muito tempo olhando para a decoração opulenta dos modernos shoppings, a fantasia que predomina na TV, os números vermelhos no extrato bancário ou as notas amassadas no bolso recebidas depois de um mês de trabalho. Não resta tempo para entrar no labirinto de espelhos da nossa mente, nossa personalidade. Lá estão milhões de visões distorcidas do que somos e do que pensamos ser. A imaturidade que ignoramos, a coragem que pensamos que perdemos, o medo que nos faz esquecer e o outro medo que nos faz andar.

sexta-feira, dezembro 13, 2002

Os filhos de Prometeu

Lá nos tempos imemoriais os gregos achavam que o homem havia dado seus primeiros passos graças a Prometeu que veio lá do meio dos deuses e nos trouxe o fogo. Muito tempo passou, somos agora seres racionais e nos livramos de todos estes mitos infantis...
Um rico shopping center, uma pequena horda de adolescentes cerca o jovem rapaz. Os cachos dourados remetem a Cupido, o assédio das fãs invocam as lembranças dos adoradores de Ishtar na esquecida Suméria. Fotos, estátuas, gritinhos descontrolados, cânticos antigos, as diferenças são poucas.
Máscaras cuidadosamente manufaturadas protegem as aparências dos adultos, mas por trás delas está aquela admiração que os faz comprar as revistas e mudar de assunto cada vez que um dos filhos de Prometeu cruza seu caminho.
Jung bem nos avisou que o consciente não passava de uma noz flutuando no mar do inconsciente.

quinta-feira, dezembro 12, 2002

Fenix

A super-exposição amortece a força do mais poderoso dos mitos...
Uma fenix se desfaz em chamas e ressurge das cinzas lá na tela do cinema. A fantástica ave que nos faz lembrar com seu canto que devemos sempre estar prontos a observar o acúmulo de convicções, crenças, costumes e sentimentos obsoletos que cobrem nossas penas, nossos corpos e nossas mentes rapidamente se transforma em uma curiosidade, um animal, ainda que fantástico e mágico, que não nos abre as portas do questionamento e muito menos movimenta as engrenagens da renovação.
Ou talvez não...
Todos nós deveríamos invocar a Fenix a cada sete ou oito anos...