domingo, maio 16, 2004

Preconceitos

Depois da chuva o frio se deita sobre o Rio de Janeiro como o véu gélido da noite que persiste mesmo depois que o sol se levanta.

O metrô nos acolhe com um abraço morno enquanto corremos para pegar o trem que espera na estação.

Nem bem sentamos e surge à porta uma imagem adolescente, destas que vemos todo o tempo nas ruas. Gorro preto de lâ, blusa larga também de lã um tanto encardida, uma bermuda e chinelos. Nas costas uma mochila surrada semi-vazia.

Parada entre a estação e o interior do vagão ela pergunta "Vai para Del Castilho?", uma região da periferia do Rio, onde há o Shopping Nova América, mas é tida como mais perigosa e violenta. A voz que joga a pergunta sem destino certo para dentro do carro é grave e carrega um estranho sotaque, mas uma ligeira inflexão sugere que é a voz de uma menina embora escondida sob o agasalho largo.

- Aqui todos vão para o mesmo sentido. É a minha resposta...

- Mas vai para Del Castilho - Ela volta a perguntar voltando o olhar interrogativo para mim.

- Vai sim, pode entrar.

Sentada do meu lado ela vasculha suas coisas, suas poucas coisas... Um cartão de telefone, uma agenda com uma foto autografada de Malu Mader.

Sem conseguir decidir se o seu jeito de falar é sotaque ou alguma outra limitação decidimos que é melhor ajudar mais. Levanto e mostro no mapa todo o percurso a percorrer, sempre encontro aquele olhar interrogativo quando a olho... Sentamos novamente... Entram velhinhos e ela cede imediatamente os bancos preferenciais sentando-se ao lado de uma senhora que lhe pergunta o nome:

- Fuco!
- Como é seu nome?
- Fuco!

Ela tem paciência com a senhora que demora a entender este nome tão diferente, mas logo estão conversando e atravessando as barreiras da linguagem. Pelos fragmentos montamos sua história. Triatleta, teatro, África, Ásia, casa da tia em Del Castilho...

A menina de rua era uma viajante com origem, destinos e objetivos desconhecidos... Quem diria!