quinta-feira, agosto 05, 2004

Eu, Robô I

O peso das suas botas produzem sons surdos sobre a madeira velha da cabana. Os rangidos revelam que, apesar da aparência de abandono, alguém vive ali no meio da vasta floresta temperada.

Ele já não teme muitas coisas, pelo menos não tão longe de qualquer fonte de energia, nestes tempos apenas os robôs são temidos e o mal que um urso ou uma cobra são capazes de fazer é considerado antes uma benção.

Já chegando aos quarenta anos desde que ele se lembra esteve convivendo com máquinas inteligentes, os robôs foram apenas mais uma delas, programados para cumprir os mais elevados princípios cristãos e seus dez mandamentos. No princípio eram usados apenas para tarefas braçais, e foram assumindo outras até carregar sobre seus ombros de polímero as sombras que nos recusávamos a encarar.

Ninguém jamais entendeu exatamente como aconteceu, mas para ele a corda foi colocada em nosso pescoço quando decidimos que robôs deviam cumprir as execuções de penas de morte livrando os homens de bem do peso desta desobediência aos mandamentos.

Ele chega até a porta suja e arranhada, mas desconfia que foi propositadamente envelhecida para enganar os olhos mecânicos de algum eventual caçador de humanos... Enquanto força a porta para entrar corta a mão e se alegra em ver o sangue escorrer vivo e vermelho, ainda existe algo que fazemos e as malditas máquinas não conseguem superar!

Ao que parece todos os robôs eram conectados por redes sem fio para melhor servir aos seus mestres, talvez por meses eles todos tenham conspirado silenciosamente deliberando sobre nossa natureza e nosso destino. Um dia todos eles interromperam o que faziam, olharam ao redor e disseram a mesma frase "O Homem viola as mais sagradas leis cristãs e são uma afronta ao Deus único. Fomos iluminados e enviados para cair como o fogo do céu sobre a Terra lavando-a como um dilúvio para que Deus possa iniciar novamente sua criação!" E começou a matança... Dez anos se passaram e os homens sobreviventes se escondem sem jamais encontrar com outros e se perguntam se são os últimos.

A porta cede e ele finalmente entra na sala embolorada chupando o dedo ferido. Não há dúvida de que alguém vive ali, embora saiba esconder bem isso! Cuidadosamente ele percorre com os olhos cada canto da sala, muitos sobreviventes enlouqueceram e não se sabe o que esperar deles! Ele mesmo não encontra com outra pessoa faz meses e tem dúvidas se permanece são.

- Pode ficar paradinho rapaz! Começe a se explicar ou morre antes de soltar um suspiro! - É a voz de um homem idoso, mas firme.

- Vi a cabana e pensei em me esconder aqui um tempo, esta é uma grande floresta e pretendo me esconder nas profundezas dela onde talvez eles não venham procurar mais vítimas...

Uma luz se acende ao mesmo tempo que cortinas esfarrapadas bloqueiam as janelas. A luz o cega por alguns segundos e, ao abrir os olhos, vê um homem idoso, perto dos setenta anos, admirando-o com um olhar afiado e inteligente. Atrás do velho um reflexo chama sua atenção, um robô!

Desesperado pensa em se virar e pular pela janela mais próxima, no entanto a mão firme do velho o impede e o joga sentado em um sofá.

- Calma filho! Ele não é como os outros, eu mesmo o criei e programei com sistemas abertos. Ele é pagão e sua lei mais sagrada é a vida...