sexta-feira, fevereiro 07, 2003

Fragmentos de fantasia I

As luzes frias espalham sua luz ondulante e cansada sobre os leitos da uti. O passar das horas empurrado por gemidos angustiados implorando pela morte. A pálida luz da lua tinge de azul os cantos esquecidos da grande sala e os ruidos da madrugada cortam o silêncio nos breves momentos em que cessam os rumores dos internos.
Surgindo das sombras, materializando-se na fronteira entre as trevas e a fraca luz lunar ela dá dois ou três passos, espreguiça e sorri como se lembrasse de uma boa piada. Os cabelos negros e descabelados, a pele lisa e pálida, o brilho alegre nos grandes olhos que somente os jovens ainda distantes dos vinte e poucos anos possuem e os movimentos leves e dançantes destoam do resto do cenário, mas afinal, ela acaba de brotar das sombras no canto escuro de uma uti e pouca coisa pode ser mais inusitada do que isso.
Quando o enfermeiro entra para seu turno de analgésicos, antibióticos e soros, ela está de pé ao lado da cama de uma mulher que dorme placidamente apesar de cercada pelo coro mórbido da dor e desespero; de pé e sorrindo. Está esticando sua mão sobre a testa da mulher e acariciando seus cabelos finos...