segunda-feira, janeiro 13, 2003

Piabas

O destino é a Barra de Fora como vem sendo chamada a extensão da Barra da Tijuca criada pela especulação imobiliária e o desejo infantil que alguns tem de falar que moram ou trabalham na Barra com as bochechas infladas como se um ovo quente as queimasse. O destino é esse, mas para ir do Catete a estes confins a primeia carruagem é um ônibus cujo letreiro anuncia "Piabas". Onde fica este lugar realmente não sei, mas a condução cruza toda a Barra da Tijuca deixando-me onde possa encontrar outro veículo que avançe mais uns 6Km entre terrenos baldios, matagais e manguezais em direção a Curicica ou o Projac que de tão grande e freqüentado ganha ares de bairro nas plaquinhas das combis coletivas.
Ainda lá no tal ônibus para Piabas, sentados no banco à direita, ela na janela, ele no corredor. Um casal, já além da meia idade. Aparência rude, a camisa dele de tecido fino e ainda mais afinado pelo tempo de uso, quase puída e cheia de encardidos. Ela de cabelos bem curtos, parece um menino apesar das rugas que margeiam os olhos vivazes.
E lá está o homem gordo, a barba curta e enrolada cobrindo o rosto, negra e irregular sobre a pele curtida pelo sol. A cabeça jogada sobre o ombro da mulher. As costas curvadas em arco aconchegando-se naquele colo como a criança que tem medo do sono que a domina e logo a arrastará para o esquecimento do sono sem sonhos. Então, surpreso, testemunho o paradoxo da trunculência...
Aquela imagem frágil, mas culina ainda que infantil sacode rudemente a parceira, companheira de anos acostumada ao carinho rude do parceiro, ajeitando seu ombro, torcendo sua cabeça com violência para moldá-la às necessidades da sua carência, para fazer dela um útero onde se esconder do cansaço diário que já se repete por décadas...
Atrás deles a chuva cai lentamente, as poças d'água refletem o céu cinzento e os grandes terrenos baldios com seus altos capins se estendem até o horizonte onde se levantam as serras distantes e tudo o mais parece tão pequeno.